quarta-feira, 16 de novembro de 2011

-- Tá lá? Onde é que estão?
-- Roulotte amarela, a Coroa. É a que tem as melhores bifanas e a gaja mais gira a servir, despachem-se senão comem é merda.
Chego com o C., já lá estão os outros. Abraços, disparates, é preciso trincar alguma coisa.
Chomp, chomp, pronto, já tenho um bife ali entre o canino e o outro de que não sei o nome, palitos, não há palitos neste estabelecimento? O M. dobra o bilhete em forma de vértice e prepara-se para exemplificar na minha boca como é que a coisa se faz. Mando-o pastar e ameaço uma joelhada nos tomates. O gajo recua. Ainda tenho fome e enfardo à pressa porque cheguei tarde. O jogo pode ir a prolongamento, a noite arrisca maratona, não jantei e preciso de armazenar hidratos de carbono. Aguentem-se!
Não resistem e também se chegam para comprar batatas fritas e meter conversa com a miúda. Ela devolve um sorriso rasgado. Vitória. Era bonita, o raio da moça.

Escada acima que nunca mais acaba, entramos. Lá em baixo parece um tapete verde, já estou emocionado. Mais escadaria e começo a ver a vida andar demasiado pra cima. Não gosto e reclamo dos lugares que o M. arranjou: sou prontamente mandado pró caralho. Entretanto, constato que a assistência é mais feminina do que masculina. Masquéisto?

-- Prrrr! – começou.

É livre. Cristaaaano, goooolo! Um rocket. Batem com os pés. Isto vem abaixo vem.
-- Atão a onda, qué da onda?
Primeiro ataque deles, bola no poste. Típico, é uma cena portuguesa, é só para dar confiança ao adversário e a seguir cair-lhe em cima quando menos espera. O adversário não percebe, isto é táctica; aliás, ninguém percebe. Siga.
-- Joga, joga! — ai a Bósnia.
Rodriguinhos, brinca na areia. Está tudo lixado não tarda, abram a pestana. Mais rodriguinhos… Ai, penalti. Escândalo. Golo da Bósnia.
-- Oooooohhhh Portugal allez, Portugal allezzzzz! – canta-se em francês e português ao mesmo tempo, parece que estamos a jogar no Stade de France carregado de imigrantes nas bancadas. É estranho.

-- Prrrr! – intervalo.

Ouvem-se os Heróis do Mar nas colunas do estádio. É bonito e traz-me uma pontada de nostalgia na forma de arrepio. E que saudades de haver outra vez heróis. Ontem enviei um email em que me apetecia dizer que já não há heróis e que isso
-- Embora mijar?
-- Bora lá.
-- Xiiii, ganda bicha! Vou ali comprar queijadas -- o que eu gosto de queijadas! Que raparigas tão giras, penso. Mais raparigas giras por m2 do que em qualquer outro sítio, é sempre assim nestes jogos da selecção.
 Chom, chomp, chomp. Mais um pacote.
- Grande besta, como é que não ficas uma baleia?
- Epá, gosto disto, qual é o drama? Só como queijadas quando o Rei faz anos.

-- Prrrr! – Recomeçou.

Atacamos para este lado, fixe. Dou por mim a pensar o que eu não dava pra ver um Nova Zelândia / África do Sul neste estádio. Portugal domina. A Bósnia já entregou, faltam 30 minutos. Sai Raul Meireles, entra Ruben Micael (what da fuck?!). Golo da Bósnia. Displicência ao mais alto nível. Calma, é gerir, é gerir. Assim já é mais à Portugal. Portugal não joga nada.
-- Foooodasse centro de merda não sabe centrar caralho – ouve-se uns lugares mais à direita. É jargão.
Golo de Portugal. Portugal joga pa xuxu.
-- Por-tu-gal, Por-tu-gal! – agora ouve-se como ainda não se tinha ouvido. É ensurdecedor, enxurrada de adrenalina, os pelos eriçam-se. Vir à bola é isto, é isto. É a gratidão, é o orgulho. -- Só mais um, só mais um! – golo! Ai mãe, qu’isto vem abaixo. Está tudo doido, parece a Tomatina de Valencia mas sem os tomates. Substituição, entra Carlos Martins. Quem sai? Não interessa. Ok, pára tudo! O que é que se passa aqui? Espontaneamente, desata tudo a cantar o hino ao minuto 86. Esta nunca vi. Vir à bola é também descobrir coisas novas. Levanto-me e canto também.

-- Prrrrr!

O que aconteceu, no fundo, foi isto:
  1. Com 26 anos, Cristiano Ronaldo é o 3º melhor goleador de sempre da selecção nacional.
  2. Descendo a escadaria olho para as pessoas, há sorrisos mas os olhos não transmitem alegria. Sinto-me incomodado, desvio o olhar num acto cobarde.
  3. Creio que estou mal disposto, será das 16 queijadas?
  4. Portugal cilindrou a Bósnia, está no Europeu e a selecção já é outra vez incrivelmente espectacular.
  5. Cava-se-me um buraco na alma de tanta falta que me fazem heróis.







5 comentários:

Bluesy disse...

Que lindas fotografias.

O que é aquele amontoado de letras e parágrafos lá por cima? Um texto? :D

Miguel disse...

O ódio é feio. Donde, sou feio.

zozô disse...

Eu até comentava isto, mas, Miguel, tu cantas Katy Perry no carro, e eu fiquei muito traumatizada.

Bafejada pelas Musas disse...

Adorei:)
Para já, jogos na luz, são jogos na luz... Irrepetíveis e inesquecíveis.
E as ondas? Brutal. Divirto-me imenso a vê-las ir e voltar, acho lindo demais.
Esses sorrisos sem reflexo no olhar arrepiou-me... Será porque as pessoas voltaram a lembrar-se da vida? Ou não sentem verdadeiramente o que foram ver?

Gosto do teu modo de escrever.

Ah, e essas escadarias de facto são o terror!*

Miguel disse...

Zozô: queres fazer o favor de me deixar cantar Katy Perry? Eu gosto dos olhos dela… errr… quer dizer, das músicas dela. Pra te compensar levo-te a ver um filme da Jane Austen ou então posto aqui um vídeo da sequência final do Turandot, de Puccini. Que tal?

Musa-2: obrigado por teres gostado, és muito amável e isso. Já estás aqui no meu coração, quer dizer, não é bem lá dentro que não há espaço, rebentavas-me todo. Ou seja, era uma metáfora, não leves à letra.