terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Ainda me espanto


Melbourne, Austrália. São quase duas da madrugada de segunda-feira e o público permanece indefectível. Sala cheia como um ovo, ninguém arreda pé mesmo depois de aproximadamente seis horas seguidas lá dentro. Discursos finais, vencedor e vencido exprimem agradecimentos, estou estarrecido. Cansado, quase nem dou pela comoção que me invade. Não tivesse assistido a tudo e pelo que os dois dizem teria dificuldade em perceber o desfecho da contenda. A forma como se mistura rivalidade, respeito e admiração mútua é incompreensível, está muito acima do que um ser humano vulgar pode admitir. São dois indivíduos incrivelmente espectaculares que ali estão. E voltaram a surpreender-me. Penso sempre que já não é possível mais e melhor e de todas as vezes o Ténis prova-me que estou enganado, não conheço nada assim noutro desporto - sou suspeito porque desde cedo o considerei o desporto mais belo, mas caguei -. Os campeões deste desporto, todos eles (e são tantos, tantos), são desportistas diferenciados e de uma clarividência desarmante. Nunca compreendi porque é que isto acontece, mas é. E quando pensamos que agora é que foi, que para aparecer outro assim será necessária mais uma geração, eis que aparece outro e depois outro e todos os anos a emoção volta ao rubro e me espanto como da primeira vez.
O evento? Bom, tratou-se da final do Open da Austrália de 2012 e defrontaram-se Novak Djokovic e Rafael Nadal, números um e dois do mundo, respectivamente. O facto de ter sido a final de um Grand Slam mais longa de sempre tornou-se desprezível face à enormidade dos artistas. Tecnicamente? Poderá não ter sido o melhor encontro que já vi, mas o que perdura é a emoção. E essa, ui. Quem ganhou? Ambos e o Djokovic ergueu a taça.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012


Boy with a pipe - Pablo Picasso, 1905

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Ahh, que saudade dos autos-de-fé!


Enquanto espero mesa para almoço no ‘Darwin’s Café’ da Fundação Champalimaud, refastelado num dos (aparentemente) antiquíssimos sofás do hall de entrada, olho para as imponentes paredes (só a arquitectura/decoração de interiores deste restaurante dava um post, não fosse o projecto e a gestão do espaço da autoria da equipa LA Caffé), distraindo a atenção pelos quadros e peças variadas alusivos ao cientista que dá nome à casa. Detenho-me na seguinte frase, emoldurada em letras garrafais e colocada sobre um móvel de madeira escura de aspecto pesadão com mais de 2,50 metros de altura:

It is not the strongest of the species that survive, nor the most intelligent, but the ones most responsive to change.

Por breves instantes juro que me senti aturdido, quase perdido no tempo. Não pela frase em si, que conheço de quando estudante no secundário, mas pelo sentimento contraditório provocado pelo conjunto: uma sala moderna, com apontamentos de decoração invocando o passado, inserida numa instituição de vanguarda, com aquela frase ali especada, tão actual, tão brutalmente verdadeira, assentando que nem uma luva às criaturas da nossa própria espécie nos dias de hoje.
Racionalizando e desmistificando, é evidente que a ideia expressa na frase assemelha-se profética porque se vivem tempos difíceis. Nada mais do que isso. Mas impressiona na mesma. Se vivêssemos tempos mais favoráveis, de crescimento económico, aposto que nem notaria na frase do senhor Darwin. Mas assim não, a tipa apareceu divina e ficou para me assombrar. Agora tenho isto na cabeça e passo o dia a dizer mentalmente “pois, o homem tinha razão, ora aqui está”, por tudo e por nada que acontece. Mas que querem, aquilo serve!

Era só isto, voltem lá à vidinha que eu vou ali tentar ser mais adaptativo. Querem ver um sinal de adaptação: por mim era voltar aos autos-de-fé. Era uma limpeza!



quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

“They were a company stuck in time”


Os gigantes também morrem e é com profunda tristeza, embora com tranquilidade, que assisto a mais um sinal da passagem do tempo. Finalmente, lamentavelmente, a Eastman Kodak, empresa centenária, pede a insolvência. Há horas atrás, a companhia, assim como as suas subsidiárias em solo americano, pediram a reorganização ao abrigo do famigerado Chapter 11 (protecção de credores).

É o corolário de mais de dez anos de agonia e uma queda sistemática na cotação do título. Depois de ter valido 90 dólares por acção (valor ajustado aos stock-splits) no auge dos loucos anos ‘90, iniciou um percurso para a morte que nunca mais parou, até ontem, altura em que cotou nos 0,60 dólares por acção. Hoje, com o anúncio, está a cair 35% na NYSE para cerca de 0,36 dólares. Já nem sequer se pode falar de golpe de misericórdia, tanto mais para tipos como eu, que acreditam que as cotações são, na sua maioria e particularmente numa óptica de longo prazo, consequências e não causas. Uma companhia que teve uma capitalização bolsista superior a 20 biliões de dólares e que hoje vale pouco mais de 90 milhões, contando mesmo assim, aos dias de hoje, com quase 20000 empregados.

A Kodak, que inventou a película de rolo e abriu um mundo novo ao cinema no final do século XIX, a Kodak que morre por não ter sabido acompanhar a era digital e que, ironia das ironias, inventou em 1975 a primeira câmara digital do mundo.



terça-feira, 3 de janeiro de 2012


E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
Quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
Quando eu estiver fogo
Suavemente se encaixe

E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
E quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
E quando eu estiver bobo
Sutilmente disfarce

Mas quando eu estiver morto
Suplico que não me mate, não
Dentro de ti, dentro de ti

Mesmo que o mundo acabe, enfim
Dentro de tudo que cabe em ti


Nando Reis, Sutilmente