sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Antes estava com sono, mas fiz o título no final

Se a despesa pública é a resolução dos problemas económicos de um país e a receita para o enriquecimento das populações, então porque carga de água as economias, sei lá, da Grécia e de Portugal, que tiveram despesa pública em abundância, não registaram crescimentos económicos significativos? E porque diabo, se a despesa pública garante tanto sucesso, os investidores do mundo inteiro não continuaram dispostos a emprestar dinheiro a estas economias a taxas suportáveis? Não gostam de fazer bons investimentos?

 Acima está o post de título "Agradece-se explicação" que a Maria João Marques colocou com valoroso sentido de oportunidade no seu blog, e eu vou aproveitar que estou relativamente sonolento para engendrar uma resposta técnico-táctica que, admito, até a mim próprio me deixa confuso porque já cheguei a um ponto da vida em que nem eu sei o que é a verdade e o que é a aldrabice. Espero que a Maria João Marques me desculpe. Bom, siga.

Começo por aqui: a despesa pública promove o crescimento sim, mas ponto-e-vírgula. É preciso cabecinha, não é gastar à grande-e-à-irlandesa / islandesa / grega / portuguesa / francesa-não-tarda-nada / italiana-está-mesmo-quase.

Se o Governo de um Estado gasta todos os anos sistematicamente mais do que arrecada, então falta-lhe dinheiro, ou seja, há défice orçamental em cada um desses anos, certo? Até aqui tudo bem, diz-se desde a década de ’30 que é assim que se cresce, mas atenção que eu já não sei nada, se é que alguma vez soube. A verdade é que o crescimento dá-se; no sentido em que há mais obra feita, em que o povão tem mais bens materiais, a esperança média de vida aumenta, há mais jovens a estudar, bla bla bla (não falo de crescimento ou de qualidade de vida como eu os entendo, isso é outra discussão e isto aqui é só um post). Poderás argumentar, Maria João Marques, que a Suíça ou o Japão têm excedente orçamental e também crescem e tal. Epá, os EUA também já o tiveram meia dúzia de vezes e agora já não querem nada com isso, e os suíços e os japoneses são uma gente diferente, têm lá as coisas deles, são muito controladinhos e assim. Por acaso aquilo no Japão é uma miséria porque não crescem e mesmo assim têm inflação. Lá está, são coisas deles, é deixá-los estar. E há também umas teorias que explicam porque é que défice pode ser melhor do que superhavit, mas eu não percebo nada disso.
Ora, mas continuando, se durante esse processo de (pseudo) crescimento o Estado fica em défice orçamental, é preciso arranjar dinheiro para pagar a quem o Estado ficou a dever, ou seja, aos agentes económicos que realizaram as obras, que forneceram os equipamentos, e não-sei-quê. Lógico. E como é que o Estado resolve o problema? Bom, é fácil: pede um empréstimo aos mercados, leiloando obrigações, ou seja, dívida soberana. Até aqui tudo bem também.

Então, se o investimento público promove crescimento, ainda que à custa de défice orçamental, porque é que o investidor comprador de obrigações não é mais comedido no juro que reclama?

Bom, a tragicomédia surge quando os défices anuais têm valores relativos tão disparatados, que a sua acumulação se transforma numa dívida gigante cujos juros dos empréstimos o Estado começa a não conseguir pagar, e muito menos os empréstimos propriamente ditos. Porque é que esta acumulação desgovernada de dívida acontece? Porque o Estado, as pessoas, nós todos, somos maus gestores, isto é, sabemos que não podemos dever mais do que X porcento do PIB para que a procissão continue feliz e contente e, pasme-se, resolvemos passar a dever para cima de um disparate só para chatear. Resumindo, trata-se de um problema de gestão e de produtividade. O povo produz mal e o Estado gere mal.

Portanto, quando o investidor que empresta o seu dinheirinho começa a ver a vida mal parada porque observa um Estado que até está a crescer, mas com uma dívida demasiado grande para ser verdade e, diria mesmo, a sentir que é mama a mais para tão pouco soutien, diz assim: espera lá, vocês têm mais olhos do que barriga, vocês não são os amaricanos, deixa-me cá segurar-me um pouco mais, agora quero um prémio maior para vos emprestar dinheiro (o tal ‘juro’), caso contrário vou mas é comprar acções da Apple que me dão mais rendimento com menos risco. Tu fazias o mesmo se um suposto e até aqui financeiramente irrepreensível amigo, a quem já emprestaste dinheiro várias vezes, de repente chegasse ao pé de ti e te dissesse “empresta-me lá aí dez mil euros, que eu meti-me no jogo e agora preciso de fazer um double-down para não me afundar”. Não digo que não emprestasses, mas seguravas-te, porque as premissas tinham mudado. É então que o preço da obrigação começa a cair vertiginosamente (ninguém a quer), ou seja, o prémio (juro) oferecido para que alguém a compre começa a subir em flecha (imagina que é uma rapariga muito feia, mas mesmo um ogre, e que os pais têm que aumentar o dote para alguém a levar, estás a ver?), e daí à calamidade são meses. Bom, quando os espertos dos políticos que governam povos já de si xonés entram na equação, então são anos, porque é tudo gente ruim, que adora prolongar o sofrimento. É uma espécie de sado-maso, mas em pior.

No fundo, voltando um pouco atrás, estamos a falar de crescimento duvidoso, não sustentado. E a comunidade internacional que investe sente isso e assusta-se. Não há volta a dar, quando há dinheiro envolvido é missão impossível manter um embuste durante muito tempo, porque o ser humano é muito agarrado ao vil metal e tem um medo de morte de o perder, de maneira que está extraordinariamente atento a qualquer potencial ameaça - veja-se o exemplo das alavancagens com o sub-prime, bastou uma paragemzinha na subida dos preços do imobiliário para vir tudo por ali abaixo.

A solução para quando se chega a uma situação destas é uma de duas: ou o Estado manda tudo à fava e desata a imprimir dinheiro a torto e a direito como fazem lá na FED os amaricanos, para comprar/pagar a própria dívida, aumentar a confiança dos agentes e, portanto, baixar o juro para valores aceitáveis para mais tarde poder voltar aos mercados de cabeça erguida como a selecção, mas aí… arrebimba o malho!... quem é consegue controlar a inflação? Isto não é a América, além de que a Europa resolveu que só o ECB é que pode imprimir dinheiro, é tudo à ganância pois; ou então o Estado pede dinheiro ao ECB ou ao EFSF ou ao diabo-que-os-carregue, a um juro mais baixinho, e sujeita-se a ser obrigado a adoptar políticas recessivas, orçamentos restritivos, etc., que não vão pagar coisa nenhuma e está tudo lixado como agora.

Agora não consigo ir dormir, estou agitado.

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