Acima
está o post de título "Agradece-se explicação" que a Maria João Marques colocou com valoroso sentido de oportunidade
no seu blog, e eu vou aproveitar que estou relativamente sonolento para engendrar
uma resposta técnico-táctica que, admito, até a mim próprio me deixa confuso
porque já cheguei a um ponto da vida em que nem eu sei o que é a verdade e o
que é a aldrabice. Espero que a Maria João Marques me desculpe. Bom, siga.
Começo
por aqui: a despesa pública promove o crescimento sim, mas ponto-e-vírgula. É
preciso cabecinha, não é gastar à grande-e-à-irlandesa / islandesa / grega / portuguesa
/ francesa-não-tarda-nada / italiana-está-mesmo-quase.
Se
o Governo de um Estado gasta todos os anos sistematicamente mais do que
arrecada, então falta-lhe dinheiro, ou seja, há défice orçamental em cada um desses
anos, certo? Até aqui tudo bem, diz-se desde a década de ’30 que é assim que se
cresce, mas atenção que eu já não sei nada, se é que alguma vez soube. A verdade é que o crescimento dá-se; no sentido em que há mais obra feita, em
que o povão tem mais bens materiais, a esperança média de vida aumenta, há mais
jovens a estudar, bla bla bla (não falo de crescimento ou de qualidade de vida
como eu os entendo, isso é outra discussão e isto aqui é só um post). Poderás argumentar,
Maria João Marques, que a Suíça ou o Japão têm excedente orçamental e também
crescem e tal. Epá, os EUA também já o tiveram meia dúzia de vezes e agora já
não querem nada com isso, e os suíços e os japoneses são uma gente diferente,
têm lá as coisas deles, são muito controladinhos e assim. Por acaso aquilo no
Japão é uma miséria porque não crescem e mesmo assim têm inflação. Lá está, são
coisas deles, é deixá-los estar. E há também umas teorias que explicam porque é
que défice pode ser melhor do que superhavit, mas eu não percebo nada disso.
Ora,
mas continuando, se durante esse processo de (pseudo) crescimento o Estado fica
em défice orçamental, é preciso arranjar dinheiro para pagar a quem o Estado
ficou a dever, ou seja, aos agentes económicos que realizaram as obras, que
forneceram os equipamentos, e não-sei-quê. Lógico. E como é que o Estado
resolve o problema? Bom, é fácil: pede um empréstimo aos mercados, leiloando obrigações,
ou seja, dívida soberana. Até aqui tudo bem também.
Então,
se o investimento público promove crescimento, ainda que à custa de défice
orçamental, porque é que o investidor comprador de obrigações não é mais
comedido no juro que reclama?
Bom,
a tragicomédia surge quando os défices anuais têm valores relativos tão
disparatados, que a sua acumulação se transforma numa dívida gigante cujos juros
dos empréstimos o Estado começa a não conseguir pagar, e muito menos os empréstimos
propriamente ditos. Porque é que esta acumulação desgovernada de dívida
acontece? Porque o Estado, as pessoas, nós todos, somos maus gestores, isto é, sabemos
que não podemos dever mais do que X porcento do PIB para que a procissão
continue feliz e contente e, pasme-se, resolvemos passar a dever para cima de
um disparate só para chatear. Resumindo, trata-se de um problema de
gestão e de produtividade. O povo produz mal e o Estado gere mal.
Portanto,
quando o investidor que empresta o seu dinheirinho começa a ver a vida mal
parada porque observa um Estado que até está a crescer, mas com uma dívida demasiado
grande para ser verdade e, diria mesmo, a sentir que é mama a mais para tão
pouco soutien, diz assim: espera lá, vocês têm mais olhos do que barriga, vocês
não são os amaricanos, deixa-me cá segurar-me um pouco mais, agora quero um
prémio maior para vos emprestar dinheiro (o tal ‘juro’), caso contrário vou mas
é comprar acções da Apple que me dão mais rendimento com menos risco. Tu fazias
o mesmo se um suposto e até aqui financeiramente irrepreensível amigo, a quem
já emprestaste dinheiro várias vezes, de repente chegasse ao pé de ti e te
dissesse “empresta-me lá aí dez mil euros, que eu meti-me no jogo e agora
preciso de fazer um double-down para não me afundar”. Não digo que não
emprestasses, mas seguravas-te, porque as premissas tinham mudado. É então que o
preço da obrigação começa a cair vertiginosamente (ninguém a quer), ou seja, o prémio
(juro) oferecido para que alguém a compre começa a subir em flecha (imagina que
é uma rapariga muito feia, mas mesmo um ogre, e que os pais têm que aumentar o
dote para alguém a levar, estás a ver?), e daí à calamidade são meses. Bom,
quando os espertos dos políticos que governam povos já de si xonés entram na
equação, então são anos, porque é tudo gente ruim, que adora prolongar o
sofrimento. É uma espécie de sado-maso, mas em pior.
No
fundo, voltando um pouco atrás, estamos a falar de crescimento duvidoso, não
sustentado. E a comunidade internacional que investe sente isso e assusta-se.
Não há volta a dar, quando há dinheiro envolvido é missão impossível manter um embuste
durante muito tempo, porque o ser humano é muito agarrado ao vil metal e tem um
medo de morte de o perder, de maneira que está extraordinariamente atento a
qualquer potencial ameaça - veja-se o exemplo das alavancagens com o sub-prime, bastou uma paragemzinha na subida dos preços do imobiliário para vir tudo por ali abaixo.
A
solução para quando se chega a uma situação destas é uma de duas: ou o Estado
manda tudo à fava e desata a imprimir dinheiro a torto e a direito como fazem lá na FED os amaricanos, para comprar/pagar a própria dívida, aumentar a confiança dos agentes e, portanto, baixar o juro para valores aceitáveis para mais tarde poder voltar
aos mercados de cabeça erguida como a selecção, mas aí… arrebimba o malho!...
quem é consegue controlar a inflação? Isto não é a América, além de que a
Europa resolveu que só o ECB é que pode imprimir dinheiro, é tudo à ganância
pois; ou então o Estado pede dinheiro ao ECB ou ao EFSF ou ao
diabo-que-os-carregue, a um juro mais baixinho, e sujeita-se a ser obrigado a adoptar políticas
recessivas, orçamentos restritivos, etc., que não vão pagar coisa nenhuma e
está tudo lixado como agora.
Agora
não consigo ir dormir, estou agitado.
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