quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Origens


O conceito português de nacionalidade, que é distinto do dos seus vizinhos, tem por base o sentido que lhe era dado no antigo Império Romano. Para os espanhóis, a ideia de nacionalidade baseia-se essencialmente nos antepassados, de tal modo que sempre que se procede ao registo de uma criança é inscrita a sua linhagem nas últimas três gerações. O conceito tradicional inglês baseia-se na etnia, no ser “anglo-saxão”, para quem era muito importante o local onde se nascia. Tal como ser-se cidadão romano, ser-se português é um estado de espírito, é a aceitação, em sentido amplo, da cultura nacional, é uma maneira de ser.

Do livro “A primeira aldeia global”, de Martin Page. Estou a ler. E acabo de descobrir que este autor inglês, já falecido, produziu o mais inspirador livro que jamais li sobre a história do meu país. E tanto que eu precisava disto neste momento, senhores. Nada me resolve, mas ensina-me as origens, explica-me, já conseguiu comover-me e aconchega-me a alma. Determino que se arranjem, pois têm que ler este livro.

Ali mais à frente, um encontro imediato do 3ª grau com a consciência de outros tempos, para o qual até pensei que estava melhor preparado. Tanta evolução e tanta coisa que, embora com outro embrulho, fica na mesma:

No ano seguinte, Eanes, juntamente com outro comandante, Afonso Gonçalves Baldaia, dobrou de novo o Bojador, tendo prosseguido mais para sul. Desembarcaram numa baía, onde encontraram, na praia, pegadas de pessoas e de camelos.
O primeiro encontro, de que se tem conhecimento, entre europeus e africanos ocorreu em África, no ano seguinte, em 1437. Não foi, no entanto, propício. Baldaia tinha partido de Lagos, no Algarve, com a missão específica de capturar pelo menos um africano e trazê-lo vivo.

(….)

D. Henrique, montado a cavalo, ali se encontrava para os receber e reclamar pessoalmente a quinta parte a que tinha direito. Relata o seu cronista, Azurara: “Antes do alvorecer do dia 8 de Agosto de 1444, por causa do calor, os marinheiros desembarcaram os prisioneiros e conduziram-nos até um descampado no exterior da cidade. Alguns deles tinham uma pele relativamente clara, mais clara do que a dos mulatos. Se uns eram bem-parecidos e proporcionados, outros tinham feições e figuras tão medonhas que pareciam chegados do Inferno. Mas quem, de entre nós, seria tão insensível que não se deixasse dominar pela compaixão? Estavam cabisbaixos, com os rostos cobertos de lágrimas. Alguns deles olharam o céu, aparentemente em oração dirigida a quem quer que fosse o seu deus. Vi alguns esbofetearem-se e, depois, estatelarem-se no chão.
Lamentavam-se e, embora não entendêssemos as suas palavras, manifestavam claramente a sua mágoa.
A sua angústia atingiu o auge quando chegou a altura da distribuição. Para que ela fosse equitativa, foi preciso separar pais de filhos, maridos de mulheres, e irmãos. Era impossível fazer a partilha sem lhes causar uma dor extrema. Os pais e os filhos, alinhados em lados opostos, rompiam fileiras e precipitavam-se em direcção uns aos outros. As mães apertavam as crianças nos braços e atiravam-se ao chão para os cobrirem com os seus corpos, na tentativa de impedir que fossem separados.”

(…)

A escravatura não deixava de ter os seus críticos, entre os quais se incluíam alguns familiares do próprio infante. Escrever Azurara, o cronista de D. Henrique: “São tratados com grande bondade e não se fazem distinções entre eles e os servos portugueses que nasceram livres. Aos jovens, ensinam uma profissão. Aqueles que revelam capacidade para explorar uma herdade são libertos e casados com mulheres portuguesas. Os amos dão-lhes um bom dote, para ajudar à sua independência. As viúvas que albergam escravas educam-nas como se fossem suas filhas, contemplando-as nos seus testamentos, de modo a que possam casar bem. São olhadas como mulheres absolutamente livres. Nunca tive conhecimento de que qualquer um destes cativos tivesse sido posto a ferros, nem soube de nenhum que não tenha sido tratado com grande bondade. Sou frequentemente convidado por donos de escravos para o baptismo ou casamento de um deles, havendo tanta cerimónia quanto festejo, como se se tratasse de um membro da família.”

(…)

A escravatura só foi declarada ilegal em Portugal e os escravos libertos em 1773. Ocorreu um ano antes da Inglaterra e 39 anos antes dos Estados Unidos. Todo o comércio de escravos realizado pelos portugueses só foi, no entanto, proibido em 1836. Tal como aconteceu em outras partes do mundo, também em alguns territórios ultramarinos portugueses a escravatura, frequentemente referenciada por outros nomes, como, por exemplo, “trabalho de aprendizagem”, permaneceu durante muito mais tempo.


E agora vou ali à procura de um tasco que me sirva um cozido à portuguesa, que antes de ser comida de escravo foi-o de legionário romano.



1 comentário:

Lena disse...

....até a mim me deu fome