quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Blue


Ensinaram-me a gostar de jazz quando tinha catorze anos. E ensinaram-me que é preciso ensinarem-nos a gostar de jazz para que ele se entranhe e nunca mais nos abandone. Um amigo de infância que acabaria por se tornar músico a sério, daqueles que tentam ganhar a vida assim e tudo. Passei a juventude e tornei-me adulto sempre acompanhado disto, ou tanto quanto é possível para um garoto simples dos arredores de uma capital de país pequeno e provinciano, deslumbrado e atento a este som novo diferente que vinha lá da América. Ainda que passem períodos em que oiço pouco é como um amor incondicional, um amor assim de mãe ou de pai, em que não é preciso estarmos sempre lá para sabermos que ele está sempre lá para nós… e depois, quando nos apetece estar, sabe-nos sempre como o regresso às origens, recebe-nos sempre de braços abertos e sem mágoa. A força com que me vêm memórias de juventude agora que escrevo isto, vou-vos contar! Hoje estou coiso e preciso de enfiar o Blue in Green no cérebro com phones bem colados nos ouvidos porque preciso não deixar escapar nenhuma nota. É que este tema, todo ele, compreende-me e aconchega-me como nenhum outro. Tristeza? Quando sim, é com cada nota dele que a embalo e engano.
Do álbum Kind of Blue, o melhor álbum de sempre do senhor Miles e um dos melhores álbuns de jazz que já se fizeram, na vossa opinião. E o Bill Evans ali no piano, oquéisto… não merecemos tanto.

Enquanto preparo o link, sorrio. Lembro-me de uma conversa curta faz tempo:

-- Eu gosto de saxofone. Qualquer tema que tenha saxofone já me conquista um bocadinho – disse ela.
-- Ah, mas a trompete! A trompete penetra-te com uma violência feroz e consegue ser tão triste quanto tu, consegue encontrar-te lá no fundo, quando quer – disse eu, tentando explicar o sentimento que encontro da trompete sobre as pessoas.
-- Mas eu sou triste?! – admirou-se ela.
Eu sorri, pensei “não entendeste”, depois percebi que tinha sido uma piada dela. E disse: Ouve o Blue in Green, tens lá um bocadinho de Coltrane no meio, pronto. Mas olha, não oiças se não estiveres em baixo, blue.


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