-- Tá lá? Onde é que estão?
-- Roulotte
amarela, a Coroa. É a que tem as melhores bifanas e a gaja mais gira a servir,
despachem-se senão comem é merda.
Chego com o C., já lá estão os outros. Abraços,
disparates, é preciso trincar alguma coisa.
Chomp, chomp, pronto, já tenho um bife ali entre o
canino e o outro de que não sei o nome, palitos, não há palitos neste
estabelecimento? O M. dobra o bilhete em forma de vértice e prepara-se para
exemplificar na minha boca como é que a coisa se faz. Mando-o pastar e ameaço
uma joelhada nos tomates. O gajo recua. Ainda tenho fome e enfardo à pressa
porque cheguei tarde. O jogo pode ir a prolongamento, a noite arrisca maratona,
não jantei e preciso de armazenar hidratos de carbono. Aguentem-se!
Não resistem e também se chegam para comprar
batatas fritas e meter conversa com a miúda. Ela devolve um sorriso rasgado.
Vitória. Era bonita, o raio da moça.
Escada acima que nunca mais acaba, entramos. Lá em
baixo parece um tapete verde, já estou emocionado. Mais escadaria e começo a
ver a vida andar demasiado pra cima. Não gosto e reclamo dos lugares que o M.
arranjou: sou prontamente mandado pró caralho. Entretanto, constato que
a assistência é mais feminina do que masculina. Masquéisto?
-- Prrrr! – começou.
É livre. Cristaaaano, goooolo! Um rocket. Batem com
os pés. Isto vem abaixo vem.
-- Atão a
onda, qué da onda?
Primeiro ataque deles, bola no poste. Típico, é uma
cena portuguesa, é só para dar confiança ao adversário e a seguir cair-lhe em
cima quando menos espera. O adversário não percebe, isto é táctica; aliás,
ninguém percebe. Siga.
-- Joga,
joga! — ai a Bósnia.
Rodriguinhos, brinca na areia. Está tudo lixado não
tarda, abram a pestana. Mais rodriguinhos… Ai, penalti. Escândalo. Golo da
Bósnia.
--
Oooooohhhh Portugal allez, Portugal allezzzzz! – canta-se em francês e português ao mesmo tempo,
parece que estamos a jogar no Stade de France carregado de imigrantes nas
bancadas. É estranho.
-- Prrrr! – intervalo.
Ouvem-se os Heróis do Mar nas colunas do estádio. É
bonito e traz-me uma pontada de nostalgia na forma de arrepio. E que
saudades de haver outra vez heróis. Ontem enviei um email em que me apetecia
dizer que já não há heróis e que isso
-- Embora mijar?
-- Bora
lá.
-- Xiiii, ganda bicha! Vou ali comprar queijadas -- o que eu gosto de queijadas! Que raparigas tão giras, penso. Mais raparigas
giras por m2 do que em qualquer outro sítio, é sempre assim nestes jogos da
selecção.
Chom, chomp, chomp. Mais um pacote.
- Grande
besta, como é que não ficas uma baleia?
- Epá, gosto disto, qual é o drama? Só como
queijadas quando o Rei faz anos.
-- Prrrr! – Recomeçou.
Atacamos para este lado, fixe. Dou por mim a pensar
o que eu não dava pra ver um Nova Zelândia / África do Sul neste estádio. Portugal
domina. A Bósnia já entregou, faltam 30 minutos. Sai Raul Meireles, entra Ruben
Micael (what da fuck?!). Golo da Bósnia. Displicência ao mais alto nível.
Calma, é gerir, é gerir. Assim já é mais à Portugal. Portugal não joga nada.
--
Foooodasse centro de merda não sabe centrar caralho – ouve-se uns lugares mais à direita. É jargão.
Golo de Portugal. Portugal joga pa xuxu.
--
Por-tu-gal, Por-tu-gal! – agora
ouve-se como ainda não se tinha ouvido. É ensurdecedor, enxurrada de
adrenalina, os pelos eriçam-se. Vir à bola é isto, é isto. É a gratidão, é o
orgulho. -- Só mais um, só mais um! – golo!
Ai mãe, qu’isto vem abaixo. Está tudo doido, parece a Tomatina de Valencia mas
sem os tomates. Substituição, entra Carlos Martins. Quem sai? Não interessa.
Ok, pára tudo! O que é que se passa aqui? Espontaneamente, desata tudo a cantar
o hino ao minuto 86. Esta nunca vi. Vir à bola é também descobrir coisas novas.
Levanto-me e canto também.
-- Prrrrr!
O que aconteceu, no fundo, foi isto:
- Com 26 anos, Cristiano Ronaldo é o 3º melhor goleador de sempre
da selecção nacional.
- Descendo a escadaria olho para as pessoas, há sorrisos mas os olhos não transmitem alegria. Sinto-me incomodado, desvio o olhar num acto cobarde.
- Creio que estou mal disposto, será das 16 queijadas?
- Portugal cilindrou a Bósnia, está no Europeu e a selecção já é
outra vez incrivelmente espectacular.
- Cava-se-me um buraco na alma de tanta falta que me fazem heróis.